terça-feira, 19 de novembro de 2013

O bicho

Acordei, abri a janela e no cantinho, lá estava ele. Embora eu tenha gostado da visita, peguei um papel e fui empurrando o bichinho para o lado de fora. Mas ele não se mexia. Dei por morto. Chorei a morte do meu mais novo e morto companheiro. 
Fui  ao banheiro pegar um papel, agora, para secar meu choro por ter matado, talvez espremido, um bichinho tão molenga e sem graça. Pois não é que quando voltei ao quarto, lá estava ele passeando pela janela? E vivo??
Como é que pode, até um bicho desses me enganando? Pois coloquei para fora foi no grito! Onde já se viu uma coisa dessa?
Fechei a janela para garantir que ele tinha ido embora, mas o calor tomou conta do quarto e abri os vidros novamente. Olhei para o lado de fora do prédio e ali, logo abaixo da janela, estava ele, com a cabecinha levantada esperando uma fresta para entrar. Claro que de olhar seus olhos arregalados, senti uma vontade de saber até onde ele iria. Deixei entrar. E se não fosse a foto, seria uma bela metáfora.


Texto: Duane Valentim
Foto: Duane Valentim

sexta-feira, 1 de novembro de 2013

Aquela noite. Aquele dia.

Ela queria que mais um dia, o dia fosse noite. Aquela noite. Noite dela, de cabelo gelado de sereno, de música alta, de fumaça que engasga, do corpo que dança. E assim, calar o grito de dentro, o choro preso na garganta, a inércia da sempre espera que espera. 
Aquela noite. Só dela, das vontades dela. Sem olhos desbotados, sem risadas mudas, sem goles pequenos.
Mas o dia invadiu a noite dela. Fez amanhecer dentro dela. Fez os olhos enxergarem o que na noite ela não via. Fez a música calar e ela escutar a dor que de dentro vinha. Fez a bebida cair salgada pelo seu rosto. Fez seu corpo dobrar ao meio. Estava fadada a não viver a noite. Noites, só do lado de dentro. 
O dia machucava. Ela sorria.


Texto: Duane Valentim
Imagem: Duane Valentim