segunda-feira, 25 de julho de 2011

Manhã de segunda-feira

Sua casa era um carro abandonado. Você era magrelo e bravo. Num dia de frio e chuva, deixamos você entrar na garagem e da garagem você foi ficando e ficando e nunca mais saiu.

E era você quem me levava pra escola e, quando eu voltava, era quem vinha correndo me receber. E você não sabia brincar de bola, só sabia correr de um lado pro outro e agarrar a barra da minha calça.

E você conheceu todos meus namorados, avançou em todos os meus amigos e mordeu todos os motoqueiros, entregadores de água, carteiros, manicures,... E nos dias de churrasco, não mordia ninguém.

E foi com você que eu vi o pôr-do-sol mais rosado em uma das vezes que deitamos no chão da garagem porque fazia calor. E era só pra você que eu chorava escondida no quintal com vergonha das minhas dores. E era com você que eu dividia a comida que eu não aguentava, meu moletom velho quando esfriava e minha cantoria nos dias de alegria.

E eu acordava e corria abrir a porta da cozinha pra te pegar ainda dormindo e colocar meu pé debaixo da sua cabeça, só pra você morder meu dedo pedindo carinho.

E eu nunca parei minhas coisas e nem nunca levantei da minha cama pra te ver. Mas você sempre levantava quando eu chegava de madrugada e me olhava como se perguntasse: “isso são horas?”.

E foram 10 anos somando momentos gostosos. 10 anos que você me fez sorrir só por te ver dormindo. 10 anos e nunca brigamos. 10 anos! E tudo acabado debaixo da roda de um caminhão na frente do meu portão.




Texto: Duane Valentim

quarta-feira, 20 de julho de 2011

ontem

não ouvi uma palavra

distraída

com seus olhos.


Texto: Duane Valentim

Ali

E ela caminha na calçada larga em direção ao lugar - nenhum onde ninguém a espera.  Vai espalhando seu perfume e balançando seus cabelos de um lado para o outro como se soubesse exatamente o caminho a ser percorrido por seus pés. Ela sorri com ar de mulher bem resolvida e vai esbarrando, com seus olhos, os olhos que a admiram.
E enquanto ela segue sustentando a imagem que criou, por dentro, se multiplicam os fantasmas entre as paredes trincadas que a sustenta. Traz consigo todos os planos frustrados, os desejos camuflados e suas certezas embriagadas.
E pode ser que tenha guardado restos dela mesma na bolsa pesada que carrega. Pode até ser que entre uma palavra e outra, escape o silencio sombrio das horas choradas. E ela sabe que por fora são flores, por dentro, desertos. Mas ninguém nota. Segue caminhando...   

Texto: Duane Valentim
Imagem: Gustav Klimt

terça-feira, 12 de julho de 2011

Dois Planos


A TV está ligada aqui no quarto. Eu consigo escutar as vozes, olhar para as imagens...mas meus pensamentos estão em outro plano, em um lugar imaginário e idealizado. Lá eu sei brincar com as peças da casualidade, sei me adaptar as regras e sei mudar todas elas quando estou perdendo. Lá os meus sonhos não são desbotados, o sol é mais amarelo e meu sorriso menos árido. Lá eu posso trocar os personagens, posso montá-los e desmontá-los e misturá-los conforme a música da vez.

Sei que é porque vivo aqui que consigo montar todos os espaços de lá. É porque falta uma única peça aqui que monto e desmonto todas por lá.

E dizem que vivo em outro espaço que não este. A verdade é que por culpa dessa falta de controle das coisas que sinto, que tanto gosto de viver por lá. Sonhar.


Texto: Duane Valentim
Imagem: Trojan

segunda-feira, 4 de julho de 2011

São seus

palavra sua,
sorriso meu.
pensamento longe,
meus sons,
sons seus.