Sua casa era um carro abandonado. Você era magrelo e bravo. Num dia de frio e chuva, deixamos você entrar na garagem e da garagem você foi ficando e ficando e nunca mais saiu.
E era você quem me levava pra escola e, quando eu voltava, era quem vinha correndo me receber. E você não sabia brincar de bola, só sabia correr de um lado pro outro e agarrar a barra da minha calça.
E você conheceu todos meus namorados, avançou em todos os meus amigos e mordeu todos os motoqueiros, entregadores de água, carteiros, manicures,... E nos dias de churrasco, não mordia ninguém.
E foi com você que eu vi o pôr-do-sol mais rosado em uma das vezes que deitamos no chão da garagem porque fazia calor. E era só pra você que eu chorava escondida no quintal com vergonha das minhas dores. E era com você que eu dividia a comida que eu não aguentava, meu moletom velho quando esfriava e minha cantoria nos dias de alegria.
E eu acordava e corria abrir a porta da cozinha pra te pegar ainda dormindo e colocar meu pé debaixo da sua cabeça, só pra você morder meu dedo pedindo carinho.
E eu nunca parei minhas coisas e nem nunca levantei da minha cama pra te ver. Mas você sempre levantava quando eu chegava de madrugada e me olhava como se perguntasse: “isso são horas?”.
E foram 10 anos somando momentos gostosos. 10 anos que você me fez sorrir só por te ver dormindo. 10 anos e nunca brigamos. 10 anos! E tudo acabado debaixo da roda de um caminhão na frente do meu portão.
Texto: Duane Valentim