domingo, 22 de agosto de 2010

Divergir

Hora de despertar.
Os olhos se fecham doloridos e a cabeça acorda.
Os pensamentos voltam todos, mas o corpo se levanta.

Hora de voltar. 
As pernas caminham até o ponto de ônibus.

...

Os olhos passam por tudo o que é fixo do lado de fora da janela.
Passam árvores e casas do lado direito.
A mão esquerda, teimosa, procura o corpo ao lado para repousar. 
Corpo ali não há.

Os dedos ficam gelados, os olhos molhados, a garganta se fecha, e mais uma lágrima corre em direção ao queixo.
A cabeça tomba no vidro e os olhos gritam.

E o ônibus segue: “por que tão rápido?”
E as pernas se encolhem contra o corpo: “cada qual com seu jeito de afastar a dor.”

E o ônibus para. As pernas descem.
O primeiro segue. A segunda, cala.




Texto: Duane Valentim

sexta-feira, 20 de agosto de 2010

O lá aqui

O cá nunca esteve tão longe.
Cá chove tristezas e decepções.
Tem frio mas senti saudade do inverno rigoroso que acabou.
Tem flores mas não vê. Tem verão mas não senti.
O cá partiu de si. Não ouve, não fala, não para.
Desacredita, se irrita, se fere e fere. Queima.

O lá, lá está.
Viajando por novos continentes, com invernos e chuvas ausentes.
Não se lembra do cá, não fala, não senti.
O lá foi pra longe junto com a nova estação.
Verão, sol, água. Alegria que não tinha.
O lá agora irradia o céu de outro hemisfério.

E o cá, onde?



Texto: Duane Valentim
Imagen: Monet

domingo, 1 de agosto de 2010

O Eu no Outro. O Outro em Mim.

O mês começou com um espinho cravado no dedo e outro no coração. O desespero alimentava e as lágrimas matavam a sede. O rosto pálido, os lábios cortados, as unhas roídas. A cama era o palácio e o sono era quem adiava as dores.

Foi para a rua mudar a paisagem do quarto. Sentou-se no banco de uma praça solitária. Chorou mais um pouco para não perder o hábito. Desligou o volume da rua e concentrou-se no pior de si.

Olhou uma criança que passava: pés no chão, rosto sujo, roupa rasgada.

Foi a primeira vez que sentiu vergonha de seus problemas.



Texto: Duane Valentim