sábado, 22 de agosto de 2009

A Porta


A porta estava levemente aberta.

Ela ouvia o barulho dos carros que passavam lá fora. Ela sentia o vento que entrava e movia os papéis que estavam espalhados pelo chão. Ela imaginava as cores lá de fora e tentava adivinhar qual delas acariciaria sua imaginação. Ela se esforçava para que o espaço atrás da porta fosse mais interessante que todo o incompreensível mundo inventado para mascarar suas dores aqui de dentro.

O vento, como que desafiando as perdas impossíveis de se suportar, soprou mais forte e escancarou toda a porta. Ela correu tentar agarrar os poucos sonhos que restavam pelo quarto. Ela apertou com força a porta como que a culpando por ter permitido tamanha invasão. Ela chorou por todos os cantos e jurou fechar-se para qualquer e todo barulho de carros passageiros. Para todo e qualquer vento traiçoeiro.

A porta estava agora fortemente trancada mas os sons passavam pelas paredes e o vento passava pelas frestas da janela.

Ela trancou-se para o mundo sabendo que no fundo trancar-se é entregar-se a um eu devastador e perigoso. Assim, ela pôde sofrer dores suas, enfim.
(Duane Valentim)

terça-feira, 11 de agosto de 2009

Sensação do Inverno


A sensação que tenho hoje é de que estava sonhando.Meus pés tocavam a grama molhada como que procurando um caminho que me trouxesse de volta a realidade. Realidade perdida depois dos nossos olhos terem se esbarrado, nossas mentes terem se chamado e os nossos lábios terem se tocado.

Lembro do seu sorriso macio e da sua voz ensolarada.
Lembro do seu abraço desajeitado e do seu olhar desarrumado.

Lembro que o tempo teimava em correr.
Lembro que os sons teimavam em desaparecer.

Lembro que a noite queria fugir.
Lembro que as cores queriam sorrir.

A sensação que tenho hoje é de que estava sonhando. Só em um sonho não sentiria o silencio de um inverno diante das minhas mãos abandonadas.


(Duane Valentim)

segunda-feira, 3 de agosto de 2009

A Sala


Eu entrei na sala pela primeira vez porque me senti a vontade. Depois de um tempo ela era tão confortável que não queria mais sair. Havia outros ares que eu pudesse me divertir, mas gostava da sala. A sala me fazia bem mesmo com todo seu aspecto carregado de dores, seu ar áspero, suas cores secas. Era agradável porque se encaixava as minhas necessidades momentâneas, e eu gostava.

A sala, antes espaçosa, foi se tornando estreita. Todo o espaço não era o bastante para que eu pudesse pendurar todos os meus sonhos e ilusões nas paredes, todos meus livros desobedientes, meus filmes sem enredo, meus versos sem rimas e meus medos engavetados.

Chegou um momento que não sabia mais com quem era minha maior briga: se com a sala que me privava de caminhar no meu ritmo desritmado ou se com o meu espaço sem espaço.

Sei apenas que enquanto questionava as dores, a própria sala resolveu me expulsar. Fiquei transtornada. Tinha agora espaços demais, liberdades demais e alegrias demais para administrar. Era muito para alguém que se sentia tão pouco. Era grande para alguém que se via tão pequena. Era tudo novo para alguém que se acomodou com o velho.

Tranquei a porta da sala com muita dor e parti. Caminhei pouco e trombei com minhas casas antigas:


Eis o lugar em que ser eu já basta.

Eis o lugar em que todos os espaços não bastam.

Eis o lugar em que as melodias não precisam ter sons.

Eis o lugar em que os sonhos nunca serão em vão.



(Duane Valentim)