sexta-feira, 1 de outubro de 2010

Ela

Só ela consegue esbarrar os olhos nos meus e abrir um largo sorriso demorado escondendo o tempo nublado. E é dela o timbre da voz fina que vibra, em tempos de saudade, nas paredes da memória num dia vazio e solitário. Vem do abraço dela o cheio doce dos cabelos embaraçados, o gosto de acordado num beijo tímido e calado na manhã silenciosa.

E são dela as palavras frias em que me reconheço. E é dela minha tarde de raiva, minha unha roída, o livro num canto parado. É pra ela, só pra ela que aperto os olhos antes de dormir com medo de descobrir que eu não estava certo.

E só ela se sente segura por ter minhas mãos entre as dela. Só ela ainda acredita em mim quando nem eu mais acredito. E é por ela que eu ainda minto. É por ela que ainda vou querendo ficar.

E é da vida dela que sinto falta, dos sonhos dela, das besteiras dela, das músicas, das piadas sem hora, do abraço sem braço, do rosto amassado, da conversa nunca terminada. E é por ela que junto dela não estou.



Texto: Duane Valentim
Imagem: "Retratto do homem triste"