domingo, 27 de setembro de 2009

O Saturar




O dicionário das dores foi queimado.
Não há mais nada para conversar.
A linha da ponte foi demolida
E não há mais por onde passar.

O sorriso de papel foi rabiscado.
Não há mais espaço para desenhar.
A mão de algodão foi empacotada
E não há mais nada para estofar.

O disco foi quebrado
A tv desligada
O livro jogado...
E não há mais nada para falar.


(Duane Valentim)

domingo, 20 de setembro de 2009

O Sono




Eu sei que amanhã terei sono. Eu sei, mas insisto em prolongar meu tempo acordada só para não ter que me ver pensando em todas as façanhas do dia que foi, do dia que é ou do dia que virá e não será.

Eu sei que amanhã terei sono. Desses acompanhados da preguiça que não deixa fugir pra lugar algum. Desses que o estado sonolento obriga a pensar apenas no vazio. E é tão bom pensar no vazio sem ter que senti-lo. E é tão bom sentir o vazio despreguiçando lentamente, calmo e se preparando para ser o vazio que ocupa. Mas não machuca.

Amanhã é um outro dia cheio de alegrias, de sorrisos, de palavras carinhosas. Amanhã é outro dia que vem para ser sonhado, ser cantado, ser vendido.

Amanhã é dia de construir. A noite é o dia de demolir. Amanhã é dia de preencher vazios. A noite é dia de esvaziar o nada. Amanhã é dia do sono vir. A noite é dia do sono sair. Amanhã é dia de abrir os olhos e dormir.

Eu sei que amanhã terei sono. Mas é só sono e sono passa. Pior é o que não passa. O que não veio. O que veio e já passou. O que só passou. O que não ficou. O que levaram.

Dorme que passa.

E amanhã terei sono. Eu sei.



(Duane Valentim)

domingo, 13 de setembro de 2009

Pernas e Braços

Foram os braços.

Não. Foram as pernas as culpadas.

Não, não. Certamente foram os braços. Eles que abraçaram por minutos eternos e profundos e silenciosos.

Não. Claro que não. Foram as pernas as culpadas. Elas estavam distantes e não ouviram o sussurrar. Foram as pernas as culpadas. Elas que sempre teimam em tremer e se afastar e dessa vez não teimaram.

Não, não. Pensando melhor, foram os braços. Estava frio e eles se fecharam. Ficaram encolhidos e preguiçosos dentro dos outros dois braços que eram apertados e intermináveis. Se os braços tivessem abraçado com maior força, se tivessem apertado, gritado, se tivessem no mínimo calado de vez...Mas não, teimosos ficaram escondidos e aconchegantes no enlace perfeito dos outros braços.

Mas as pernas falharam. São as culpadas. Elas teriam que caminhar e não estacionar. Elas teriam que correr do perigo de sentir, de deixar sentir. Mas ficaram ali, esperando o frio passar, o sol chegar, os olhos tremerem, o tempo derreter. Falharam!

Mas e os braços? Eles se aproveitaram do não caminhar das pernas e se enlaçaram ao outro par de braços.

Mas e as pernas? Elas não caminharam porque invejaram o movimento dos braços.

Calma. Eu explico:

Os dois são culpados.
Sim. São!
São culpados porque obedeceram toda a necessidade do meu coração.


 
(Duane Velentim)

domingo, 6 de setembro de 2009

O Dia

O dia chegou em uma noite iluminando meus espaços apagados. O dia sorriu e as estrelas da minha noite piscaram. O dia chegou e aqueceu meus pensamentos congelados, meus medos fantasiados e minhas dores emboloradas.

O dia foi chegando de mansinho, abraçou-me com carinho e os ventos ao redor se acalmaram. O dia foi brincando de fazer alegria e minhas flores adormecidas nasceram outra vez.

Houve um dia em que o dia tocou para mim a música que não escutei. O dia tentou sorrir na neblina e eu não enxerguei. O dia me iluminou e eu me escondi. O dia, cansado das minhas noites, entardeceu-se.

O dia partiu.
A noite trincou.


(Duane Valentim)