quinta-feira, 29 de outubro de 2009

O inquietar dos olhos


Ele abre o livro pra pensar. Pensar não no que está escrito em cada linha. Seus pensamentos vagos fazem com que seus olhos percorram toda página, palavra por palavra, sem compreensão alguma.

Ele abre os olhos pra pensar. Fixa um ponto qualquer no chão, um canto da parede ou as pontas do sapato. Ele olha minuciosamente para o nada. Olhos vagos e perdidos buscando um ponto que permita o encontro perfeito entre ele e ele mesmo.

O encontro não vem.

Os pensamentos não são mobílias. Não há como deixá-los no canto do quarto até que fiquem sujos pelo pó que vem de fora e esperar surgir uma alma bondosa para limpá-los. O pó todo está por dentro dele. Sujeira que se acumula dia após dia. E os pensamentos, agora sim, são como mobílias pesadas, difíceis de empurrar para o lado de fora da casa.

Ele olha para o alto e leva as mãos frias até o rosto na tentativa de pensar. E pensa. Pensa nessa última semana que contrasta com a inércia em que vive. Pensa no quanto o tempo é volátil, no seu eu volátil. Incertezas do mundo.

E ele busca o estável, o móvel de cimento que não permite mudanças em seu espaço. Ele busca o estável, o concreto, mas sabe que tem vontades que extrapolam a geografia limitada de seu coração.

Ele volta os olhos para o objeto que ainda segura entre as mãos e lá, na última linha do canto esquerdo: “Permita-se.”


 
(Duane Valentim)

sábado, 24 de outubro de 2009

Melodia Finita


A banda tocou novamente.
Passou em frente à praça nublada.

A banda tocou, desta vez, intensamente.
Envolvida, a praça sorriu.

A banda agora era flores.
A praça, melodia.

Clareou o dia.

A banda partiu tocando em silêncio.
A praça ficou com suas flores chovendo.



(Duane Valetim)

segunda-feira, 5 de outubro de 2009

A Mancha

                               
Era um vestido novo. Vinha acompanhado por minhas mãos desastradas que seguravam um copo de vinho. Não demorou muito para que, como de costume, eu derrubasse todo o líquido do copo nas bordas do vestido.

Vinho mancha. Manchei meu vestido.

Enquanto olhava a mancha que se espalhava no pano branco, pus-me a pensar em quantas outras manchas vamos acumulando ao longo da vida. Manchas que não saem com sabão e nem com o tempo. Manchas que estragam, que cheiram mal, que corroem, que entristecem.

Algumas delas são derramadas por nós mesmo, muitas vezes, sem nos darmos conta de que irá manchar. Outras são derivadas de esbarrões que cometemos em pessoas que já estão por transbordar.

Algumas manchas são involuntárias e nos causam raiva porque estragam o passeio. Outras são propositais e, normalmente, não nos atinge: espirram em quem mais próximo de nós estiver.

Mas o que mais me entristece não são as manchas em si _ mesmo porque, manchas existem e estão aí para toda e qualquer mão desastrada_ mas o fato de buscarem sempre o que temos de novo e mancharem tudo, por fora e por dentro do pano.

Era um vestido novo.

Vinho mancha. Mancharam meu vestido.


(Duane Valentim)